Os impactos da pandemia nos desejos de profissionais do Brasil e do mundo

Por Manuel Luiz, diretor executivo e sócio do Boston Consulting Group 

É notório que as pessoas estejam refletindo com mais atenção sobre novas possibilidades de trabalho em virtude das incertezas instaladas pela crise de Covid-19. Se considerarmos os últimos anos, como mostra o relatório Decoding Global Talent, uma série de três estudos conduzidos pelo Boston Consulting Group (BCG), os índices de mobilidade profissional surpreendem por suas variações em diversos países, incluindo o Brasil.

Os levantamentos mostram que 92% dos entrevistados brasileiros estão dispostos a trabalhar fora do país, um salto considerável em relação aos 75% em 2018 e os 63% de 2014 – e uma predisposição de mobilidade muito mais alta que a média dos outros países, que é de 50%. Outro fato interessante a ser apontado é que os Estados Unidos não aparecem como destino profissional preferido dos entrevistados pela primeira vez. Enquanto brasileiros priorizam Portugal, Canadá e Angola, nessa ordem, o resto do mundo elegeu o Canadá como o destino prioritário.

Apesar das preferências de mobilidade, o trabalho remoto ou híbrido é cada vez mais uma realidade e as fronteiras físicas entre países, que separam empregadores e profissionais são cada vez menos relevantes. Prova disso é desejo compartilhado por 82% dos brasileiros de trabalhar para um empregador estrangeiro sem precisar sair de casa. Um percentual bastante expressivo, sobretudo se comparado aos 57% da média global.

Outra tendência identificada é a disposição de mudar de carreira, que se tornou latente no período de crise. Mais de dois terços dos profissionais entrevistados pensam em estudar para assumir outro tipo de trabalho – no Brasil, o ímpeto é compartilhado por 65% dos respondentes, em linha com a média global. Embora seja um movimento observado em praticamente todos os cargos e setores, ele se destaca nos que foram mais impactados pelo distanciamento social, como os serviços, onde a taxa ultrapassou os 70%.

A vontade de mudar de carreira também é impulsionada pelo medo de perder o emprego para a tecnologia, uma preocupação maior agora do que antes da pandemia para 41% dos respondentes. Ao mesmo tempo, os empregos mais buscados são no próprio setor de tecnologia, procurado por cerca de 45% dos que querem se requalificar.

A crise global provocada pela Covid-19 e todas as suas incertezas é o fator preponderante para as mudanças identificadas no mercado de trabalho. Mas ela pode dividir espaço com outros fatores decisivos nas preferências dos funcionários. Os desafios ambientais, como os incêndios florestais australianos, e movimentos sociais, como o #BlackLivesMatter, que ganharam evidência em 2020, também impactaram significativamente a busca por trabalho. Os candidatos a emprego, sobretudo os mais jovens, passaram a questionar os níveis de compromisso ambiental e de diversidade das empresas com muito mais frequência e contundência.

De acordo com a pesquisa, aproximadamente sete em cada dez entrevistados disseram que a diversidade e o clima são questões que ganharam relevância ao longo de 2020. E metade de todos os trabalhadores entrevistados disse que não aceitaria uma vaga proposta por um empregador cujas políticas nessas áreas não correspondessem às suas crenças pessoais. Portanto, as organizações que responderem a essas preocupações terão uma enorme vantagem à medida que a competição por talentos se intensificar após a pandemia.

Como as empresas podem, então, construir um ambiente de trabalho mais cativante e atrativo?

Um dos ensinamentos da pandemia é que diversas funções podem ser realizadas com eficácia sem que milhões de pessoas precisem frequentar um escritório. E quando cruzamos essa constatação com o fato de que 89% das pessoas consultadas na pesquisa do BCG esperam trabalhar de casa pelo menos parte do tempo após o fim da crise, concluímos que essa é uma mudança que irá se perenizar, independentemente do setor de atuação.

Quando olhamos os dados mais a fundo, percebemos que a flexibilidade é o que mais interessa. Não há uma rejeição total ao modelo tradicional. Aliás, apenas 25% mudariam para um modelo de trabalho completamente remoto, se pudessem. Independentemente do modelo adotado, contudo, o que está no topo da agenda para os profissionais são elementos culturais como relacionamentos, apreço pelo trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Desta maneira, cabe às empresas buscar o equilíbrio entre governança, flexibilidade e expectativas dos funcionários em relação à organização. Sejam quais forem os modelos escolhidos, elas devem começar com pequenos projetos pilotos e garantir uma boa coleta de dados sobre a produtividade dos funcionários e as expectativas que têm depositado nas ofertas de trabalho. Os insights desses projetos podem ser usados ​​para desenhar modelos mais flexíveis, que tragam benefícios para empresas e colaboradores mutuamente.

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