Inteligência Artificial como ferramenta da Justiça

Por Profª Drª Benedita de Fátima Delbono, Docente e Pesquisadora em Direito do Centro de Ciências e Tecnologia (CCT) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas

Isaac Asimov, que foi um escritor americano e professor de bioquímica da Universidade de Boston, imaginou, nos anos 1940 e 1950, a civilização dos anos 1990 e 2000 em um mundo dominado pela presença de robôs. Esses dispositivos já teriam cérebros e emoções e, por isso, estariam sujeitos às seguintes leis: 1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) eles devem obedecer a ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais regras entrem em conflito com a primeira lei; 3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. As normas apresentadas teriam a finalidade de reafirmar a segurança dos humanos diante da inteligência artificial.

O pensamento culminou na narrativa dos nove contos de Asimov, os quais são interligados pela figura de uma psicóloga de robôs que, diante de sua aposentadoria iminente, dá uma série de entrevistas à imprensa e relata acontecimentos que mostraram a evolução dos robôs ao longo dos anos e, ainda, como eles se tornaram cada vez mais imprevisíveis e perigosos aos humanos.

A tese de Asimov trouxe às telas o filme “Eu, robô”, adaptação do ano de 2004. Com isso, os norte-americanos, entusiastas do assunto, voltaram a debater essa questão, agora com vistas aos julgamentos feitos pela inteligência artificial, trazendo a figura do Robô “advogado” para a defesa de réus nas questões relativas a infrações de trânsito.

Esse modelo pode até ser pensado para outros países, já que a inteligência artificial é um assunto em pauta. Porém, algumas questões devem ser consideradas: a primeira refere-se ao sistema jurídico que cada nação adota. Os norte-americanos assumem um sistema marcado, iminentemente, pela oralidade e pela presença do Juiz. Isso significa que as mais variadas causas são levadas ao Tribunal, contando, portanto, com a presença do Juiz, do representante do Ministério Público e do Advogado, sendo esse último o responsável pela defesa do réu. O Brasil, por exemplo, adere a outro formato, baseado em um sistema que conta com procedimentos, em sua imensa maioria, de forma escrita.

No tocante, especificamente, às infrações de trânsito de nosso País, essas podem ser levadas a três esferas distintas e que acabam por envolver os poderes judiciário e executivo, são elas: 1) a esfera administrativa, caso em que a infração de trânsito pode levar à sanção por meio de multa, pontuação, suspensão e cassação da CNH, estando a cargo dos agentes do poder executivo; 2) a penal, que está reservada aos casos mais graves e ocorre sem prejuízo do que é de competência da esfera administrativa, tramitando na Delegacia de Polícia, portanto, junto ao poder executivo e segue ao Ministério Público, que provocará o Juiz para a causa em questão, podendo, inclusive, pedir o arquivamento do caso, que deve ser apreciado e deferido (ou não) pelo Juiz e, nesse caso, estaremos diante do poder judiciário; 3) a esfera civil, essa compõe a esfera privada, que é aquela em que o lesado — se quiser – poderá pedir, por meio de seu Advogado, indenização pelos danos patrimoniais e morais sofridos, sendo que se a pessoa não tiver recursos financeiros para arcar com o processo, poderá contar com os benefícios da Justiça Gratuita.

O Advogado de defesa pode atuar nas três esferas de apuração da infração, mas a presença do especialista é obrigatória apenas nos âmbitos penal e civil. A partir disso, compreende-se que a Justiça brasileira é complexa, pois são muitos os procedimentos e divisões. Isso nos leva a pensar na inteligência artificial, em robôs, para poupar o humano de tanto trabalho e procedimento. Contudo, esses dispositivos não devem ser substitutos dos humanos, mas ferramentas que podem ser usadas como um recurso secundário, uma vez que para acusação, defesa e julgamento, não é só a Lei que precisa ser apreciada, sendo exigida uma visão sistêmica, que inclui as pessoas envolvidas em sua integralidade, os costumes locais, os valores e os sentimentos — por exemplo, empatia e compaixão.

Os algoritmos, apesar de eficientes, podem criar ou recriar a inteligência artificial, mas não conseguiriam chegar a habilidades emocionais que são próprias dos humanos e necessárias à capacidade de acusar, defender e julgar.

A inteligência artificial tem seu mérito e importância, não no exercício complexo da Justiça, mas no processo de viabilizar e agilizar a organização das informações em uma atividade de meio e não de ponta. Aos humanos, para um mundo melhor e sustentável, cabe a escolha de construir essas ferramentas inteligentes de modo que se mantenham em seu nicho e, por uma questão ética, deixem de tentar substituir o que é iminentemente próprio do humano

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