Por Claudio Gualberto, Diretor de tecnologia da Sankha
Assuntos relacionados à Inteligência Artificial (IA) não são algo novo, já que estão presentes em nossas vidas há mais de 30 anos. Embora temas como redes neurais, algoritmos genéticos e aprendizado de máquina fossem associados a uma atmosfera de ficção científica ou fizessem parte de ambientes universitários e de pesquisas da alta tecnologia, a partir de novembro de 2022, com a apresentação do ChatGPT pela OpenAI, uma startup fundada em 2015 na Califórnia, o entendimento do grande público mudou.
Para compreender, o ChatGPT utiliza um algoritmo de IA chamado LLM (Large Language Model), baseado em técnicas de Deep Learning que, quando treinando com enormes volumes de dados, consegue predizer e gerar novos conteúdos. Para se ter uma ideia do quão gigantesco é o conjunto de dados com os quais os algoritmos são treinados, na versão mais recente, a Chat GPT-4, possui mais de 1 trilhão de parâmetros. Não por acaso, esses algoritmos conseguem responder sobre quase tudo em um nível de assertividade que torna os diálogos com a ferramenta uma experiência praticamente metafísica.
A princípio, a intenção da americana era desenvolver um software de código aberto para benefício geral, aplicando IA para resolver problemas comuns. A solução contava com investidores importantes, como o bilionário da Tesla: Elon Musk, além de outros nomes conhecidos do Vale do Silício, mas, em apenas dois meses após seu lançamento ao público, o ChatGPT atingiu a marca de 100 milhões de usuários ativos. Para efeitos de comparação, o Tik Tok demorou nove meses para atingir marca semelhante e o Instagram precisou de dois anos e meio. Portanto, um recorde absoluto.
É um exercício de futurologia imaginar como estaremos daqui há cinco ou 10 anos. Porém, com esse poder todo disponível ao grande público, o Chat começou a ser usado e retroalimentado, sendo exposto a perguntas cada vez mais sofisticadas de todas as áreas do conhecimento, desde a física quântica, passando pelo Direito e até perguntas sobre relacionamentos.
O instituto Gartner, um dos líderes em pesquisa de mercado sobre tecnologias emergentes, possui um gráfico chamado Hype Cycle for Emerging Techs (algo como ciclo de promoção para tecnologias emergentes), que demonstra o ciclo de vida que cada tecnologia precisa atravessar, desde o nascimento até a adoção pelo grande público. Tradicionalmente, as fases desse ciclo acontecem a cada dois ou três anos, mas no caso do ChatGPT, em menos de seis meses ele já passou por quase todas as fases do ciclo, sendo que agora o mercado já está correndo contra o tempo para aplicar a tecnologia na maior parte dos produtos e serviços que puder, muito semelhante à corrida que aconteceu no início do século XX, para energia elétrica e também, no início da internet, ao final do mesmo século.
Com o uso massificado, onde os usuários enviam uma quantidade enorme de dados para o GPT no formato de perguntas em sessões de conversação, não demorou muito para os primeiros problemas aparecerem, pois o software retroalimenta seu sistema de aprendizado com esses dados, refinando cada vez mais as suas respostas.
Problemas relacionados à privacidade, propriedade intelectual, viés político e até preconceituoso são apenas alguns exemplos. Essa situação já causa uma espécie de ‘O império contra ataca’, com empresas proibindo funcionários de usar a ferramenta para projetos que possuam segredos de indústria ou que possam beneficiar a concorrência de alguma forma.
A discussão ainda ganhou dimensões globais. Várias figuras públicas importantes de todas as áreas estão assinando manifestos que exigem a regulamentação, assim como a imposição de limites. Outros, ainda pedem a pausa total nas pesquisas relacionadas a esse tipo de IA, ou pelo menos, até que os parâmetros de segurança, privacidade e compliance estejam mais claros e estabelecidos para todos.
Instituições como as universidades também estão atentas ao uso indiscriminado desse tipo de ferramenta para criação e autoria de conteúdos acadêmicos e já instituíram procedimentos para evitar os trabalhos criados notadamente com o ChatGPT, a partir da percepção das ‘pegadas’ que a ferramenta pode deixar nos textos que produz.
Dentre as BigTechs, existe uma espécie de corrida do ouro acontecendo, onde cada empresa aloca uma grande quantidade de recursos para lançar a sua própria versão do GPT, integrada aos seus já tradicionais produtos. Algumas companhias também estão paralisando várias outras linhas de pesquisa, concentrando todos os seus recursos nesse tipo de IA, como é o caso da Meta (dona do Facebook, Instagram e Whatsapp), que paralisou seu investimento no Metaverso para focar nessa nova onda.
No Vale do Silício, quem está melhor posicionada é a Microsoft, pois ela já vinha investindo na OpenAI há bastante tempo, tendo investido mais de 10 bilhões de dólares na startup nos últimos anos. Com isso, ela tem acesso privilegiado aos resultados da pesquisa, e já integrou os algoritmos na maioria dos seus produtos, como por exemplo no Office 365, que agora possui recursos de assistência para criação de apresentações, planilhas etc.
Já o Google, que tem sido o dono da internet desde sempre, observa agora o seu reinado ameaçado pelo ChatGPT, considerando que fazer uma pergunta para o GPT traz resultados muito mais objetivos e personalizados do que uma busca no Google, onde o usuário precisa filtrar o que não é importante e montar ele próprio as conclusões da pesquisa. Isso pode mudar drasticamente a forma com que o Google realiza grande parte do seu faturamento, as Adwords.
A sorte está lançada. Mesmo considerando a grande quantidade de problemas que já surgiram e outros que ainda virão, parece que esse tipo de tecnologia veio pra ficar, e tem potencial de redefinir o mercado de trabalho, acelerando e simplificando tarefas, aposentando algumas profissões e criando novas – como por exemplo a nova função de Prompt Engineering, que é uma espécie de especialista em GPT e que sabe extrair o melhor da ferramenta, como se fosse uma nova linguagem de programação.
Seguindo a mesma reflexão, também é importante avaliar que a tecnologia não atua como vilã. Ela precisa e precisará, pelo menos por muito tempo, da força do humano por trás dela. Nós, seja enquanto consumidores, líderes, gestores ou empresas, a utilize como ferramenta condutora para agilizar, facilitar ou qualificar uma entrega.